Narcoterrorismo e soberania jurídica: os riscos e desafios do enquadramento de facções como organizações terroristas


(*) Leonardo Mendonça

O relatório encaminhado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro ao Departamento de Estado dos Estados Unidos, solicitando o reconhecimento do Comando Vermelho como organização terrorista internacional, trouxe à tona um debate jurídico importante. Trata-se de uma iniciativa inédita no país que exige reflexão profunda sobre seus desdobramentos legais e políticos.

O documento, entregue há cerca de seis meses, busca incluir facções criminosas brasileiras nas listas de sanções estrangeiras, o que permitiria o bloqueio de ativos, maior cooperação internacional e pedidos de extradição. Essa estratégia, inspirada em práticas adotadas por países que enfrentam o narcotráfico em escala global, reforça a ideia de que o crime organizado brasileiro alcançou um patamar transnacional, com estrutura e poder comparáveis aos de grupos insurgentes.

Mas é fundamental compreender que o termo “narcoterrorismo” carrega implicações jurídicas e conceituais distintas. O terrorismo pressupõe motivação ideológica, política ou religiosa, com o objetivo de desestabilizar o Estado e gerar medo coletivo. O narcotráfico tem motivação econômica e busca o controle territorial para manutenção de suas rotas e mercados ilícitos.

A tentativa de equiparar as duas condutas pode gerar avanços operacionais, mas também distorções jurídicas graves. Ao adotar o enquadramento de facções como organizações terroristas, o Estado corre o risco de embaralhar categorias legais e abrir espaço para interpretações amplas, que podem atingir garantias fundamentais do próprio Estado Democrático de Direito.

Outro ponto sensível é o da soberania. Caso os Estados Unidos acatem o pedido brasileiro, suas autoridades poderiam rastrear contas e ativos de indivíduos e empresas ligados a facções nacionais, além de influenciar investigações internas. É uma cooperação que pode ser útil em termos de inteligência e combate ao crime transnacional, mas que exige cautela para não transferirmos ao exterior o controle jurídico de nossas decisões soberanas.

Uma pesquisa recente da Quaest mostrou que 72% dos brasileiros apoiam a classificação de facções criminosas como organizações terroristas. No Rio de Janeiro, 85% defendem o aumento da pena para homicídios cometidos a mando de facções, e 58% apoiam até a pena de morte para crimes graves. Esse apoio popular expressa o cansaço da sociedade com a escalada da violência.

A luta contra o crime organizado precisa combinar eficiência com segurança jurídica. É preciso agir com rigor, mas também com clareza normativa. O desafio é enorme: garantir que o enfrentamento ao narcotráfico não desfigure os limites do Direito Penal e não comprometa a soberania jurídica nacional.

(*) Advogado criminalista e especialista em Direito Penal e Segurança Pública