A Feira do Artesanato de Nilópolis expressa a mais viva arte popular da Baixada Fluminense

A Feira do Artesanato de Nilópolis expressa a mais viva arte popular da Baixada Fluminense

Por Geraldo Perelo

Em meio ao vaivém apressado do calçadão da Avenida Mirandela, em Nilópolis, nasce — todo sábado — um jardim que não depende de chuva, estação ou poda. Ele brota das mãos. Das mãos que trançam, costuram, moldam, bordam e reinventam a matéria-prima com sensibilidade, técnica e identidade cultural. É a Feira de Artes e Produtos Artesanais de Nilópolis (Feapan), uma das expressões mais vivas da arte popular na Baixada Fluminense — região tão rica quanto invisibilizada pelas lentes tradicionais.

Uma das mais antigas formas de expressão humana, o artesanato nunca foi apenas um ofício. É símbolo de resistência, cultura e memória. Na Feapan, essa força se manifesta em 50 barracas vibrantes que ocupam o coração econômico da cidade como um corredor de afeto transformado em arte. Ali, o silêncio das mãos fala alto.

Há crochê e tricô delicados, bordados que contam histórias, macramê elegante, costura criativa que surpreende, rendas preciosas, vasos, pratos e tigelas pintados como poesia, bonecos que carregam a alegria de um povo, carrancas, porta-retratos, brinquedos educativos, biojoias, bijuterias artesanais, bolsas, chapéus e até sabonetes perfumados que parecem escultura. Cada peça, única; cada artesão, guardião de um saber ancestral.

Marilac Estruc: O nome que virou movimento

No centro dessa transformação, existe uma mulher que se tornou sinônimo de artesanato em Nilópolis: Marilac Maria Borges Estruc, 73 anos, nascida em Fortaleza, criada em Nilópolis desde os 5, e protagonista de uma história que mistura pioneirismo, ativismo cultural e compromisso com vidas comuns que encontraram, nas agulhas e linhas, um caminho de autonomia.

Marilac Estruc: protagonista de uma história que mistura pioneirismo e ativismo cultural

“Cada peça traz a marca da mão que criou”, resume Marilac. Para ela, o fascínio nasce da autenticidade: o que é feito à mão carrega identidade, tempo dedicado, emoção — algo impossível de reproduzir por máquinas. Em um mundo cada vez mais digitalizado, o artesanato resgata rarezas: o toque, o cuidado, a singularidade.

Pedagoga, educadora artística e pós-graduada em Artesanato pela UERJ, Marilac integra o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Nilópolis, o Programa Cultura Viva e já recebeu o prêmio de Mulher Empreendedora da Região Sudeste. Mas sua maior obra é a Feapan, que germinou em 1998, “quando ninguém ainda falava em artesanato, empreendedorismo, economia criativa, empoderamento feminino ou inclusão produtiva”, relembra.

Foi o Senac que abriu a primeira porta, com cursos de empreendedorismo, precificação e atendimento ao público. A partir daí, Marilac reuniu 100 interessados na antiga quadra de ensaios da Beija-Flor, no Centro Comunitário Nelson Abrahão David. Desse movimento nasceu a Associação dos Produtores de Obras Artesanais de Nilópolis — Aproarten (Tesourão Arte & Cor), ao lado de Leopoldo Girão.

Em 2004, a articulação deu origem à Lei Municipal nº 6069, sancionada pelo então prefeito Farid Abrão, que instituiu o Programa Municipal de Desenvolvimento do Artesanato. Um marco que profissionalizou e deu amparo a uma categoria que, até então, sobrevivia no improviso.

História, identidade e renda

Gestora da feira desde o início, Marilac transformou bordados, crochês e tricôs em cartões-postais da própria cidade. Nas suas mãos, a Capela de São Mateus, o Parque Natural Municipal, a Igreja de São Sebastião e a Beija-Flor ganham linhas, cores e texturas. Peças que circulam pelo país na bagagem de turistas e colecionadores.

“A arte do artesanato integra comunidades, fortalece vínculos, mantém tradições”, ensina Marilac. E mais: “Transforma grupos vulneráveis em protagonistas, promovendo inclusão, pertencimento e diversidade cultural”.

Leopoldo Girão: A resistência

Aproarten é a associação mais antiga da Baixada Fluminense e uma das mais longevas do país. Quem garante isso, com orgulho, é Leopoldo Girão, cofundador e presidente.

“Quando não se falava em mulheres empoderadas, economia solidária ou cultura viva, nós já fazíamos isso”, recorda. “Hoje existe até Secretaria de Estado, mas nenhuma outra instituição tem o histórico que nós temos. Somos lei municipal. Pode entrar prefeito, sair prefeito: ninguém nos tira daqui.”

Girão: Quando não se falava em economia solidária ou cultura viva, nós já fazíamos isso”,

Para ele, a feira é uma conquista coletiva, de mulheres e homens que fizeram do talento manual uma economia real. Uma economia que dialoga com turismo, cultura, gastronomia e trabalho — um ecossistema vivo que faz a cidade girar.

Quando o artesanato cura

Artesã Rita de Cássia, vítima de fibromialgia: me encontrei e joguei o remédio fora

Entre as novas participantes da Feapan está Rita de Cássia, moradora de Ricardo de Albuquerque. Há sete meses, ela ocupa uma barraquinha com suas bolsas, necessaires, panos de prato e bonecas — frutos da costura criativa.

“Eu tinha fibromialgia. Sofria muito”, conta. “Mas quando comecei a fazer artesanato, me encontrei. Joguei o remédio fora. Agora, o meu remédio é isso aqui. Distrai minha cabeça e ainda me dá renda.”

O testemunho de Rita é prova concreta do que especialistas já apontam: o artesanato cura, ocupa a mente, devolve autoestima e cria caminhos econômicos antes impensáveis.

Economia e cidadania

O artesanato é economia criativa — um setor que cresce no país e ganha força em territórios acostumados à ausência de políticas estruturais. Na Baixada Fluminense, representa geração de renda sustentável, fortalecimento do turismo local, profissionalização e autonomia financeira, resgate de tradições culturais, estímulo ao empreendedorismo, criação de redes produtivas e ocupação de espaços públicos com cultura e vida.

O que acontece na Avenida Mirandela todos os sábados é mais do que uma feira: é um ato de afirmação identitária. É prova de que a Baixada tem potência criativa, protagonismo e cultura pulsante — basta olhar com atenção.

Quando a arte encontra o povo

Na avaliação de Marilac, a Feapan reafirma, semana após semana, que o artesanato não é passatempo — é patrimônio cultural. E quando esse patrimônio floresce em regiões historicamente invisibilizadas como a Baixada Fluminense, ele se torna ainda mais valioso: transforma vidas, movimenta a economia, cria oportunidades e fortalece o orgulho local.

Afinal, onde há mãos criando, há história sendo contada.
E em Nilópolis, essas histórias enchem de cor o coração da cidade.

Fotos: Geraldo Perelo/GPBaixadanews

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