Beija-Flor: símbolo de resistência, orgulho de um povo e agora Patrimônio de Nilópolis

Beija-Flor: símbolo de resistência, orgulho de um povo e agora Patrimônio de Nilópolis

O reconhecimento foi celebrado em ritmo de festa no plenário da Câmara dos Vereadores, com homenagens e entrega de placas comemorativas às figuras representativas da escola de samba 15 vezes campeã na passarela do samba

Por Geraldo Perelo

Quinze vezes campeã, 13 vices no coração da Marquês de Sapucaí e prestes a completar, no próximo Natal, 78 anos de uma história que mistura suor, dor, superação e brilho, a Beija-Flor de Nilópolis conquistou nesta segunda-feira (7) mais dois títulos que não se medem em troféus: agora, é oficialmente Símbolo do Município e Patrimônio Cultural de Nilópolis.

O reconhecimento veio em clima de emoção e justiça histórica, com a sanção pelo prefeito Abrão David Neto, o Abraãozinho, no plenário Orlando Hungria, da Câmara Municipal, de leis de autoria do vereador Flávio Vergueiro. E não parou por aí: a Rua Pracinha Wallace Paes Leme, onde pulsa o coração da escola — entre o passado e o presente de sua sede — passa agora a se chamar Avenida Beija-Flor de Nilópolis.

Abraãozinho exibe a placa que substituiu o nome da Rua Pracinha Wallace Paes Leme

         Para o secretário de Cultura do município, Antônio Costa, a homenagem é uma “reparação histórica” à escola de samba, “referência de resistência da população negra e originária” de Nilópolis, formada por escravos nigerianos, mas que, segundo lembrou, nunca foi acolhida oficialmente como patrimônio do município.

Legado das senzalas

         Ainda na avaliação de Antônio Costa, os escravizados da Fazenda São Matheus” – que deram origem à cidade de Nilópolis, com sua emancipação político-administrativa, em 1947 -, “foram a resistência de tudo aquilo que a África nos ofereceu” durante o período da colonização. “Eles deixaram o samba como legado, através da cultura e da vivência nas senzalas e nas ruas”, disse.

Secretário Antônio Costa

Deputado Ricardo Abrão

Deputado Rafael Nobre

         — A Beija-Flor, sempre foi a nossa referência como cidadão, como cidade, mas nunca esteve dentro daquilo que é oficial, sempre foi oficiosa. Por isso, ela sempre esteve à espera dessa reparação para que possa fazer parte oficialmente das atividade do município em todos os seus momentos cívicos — explicou, lembrando que a escola de samba teve sua origem no Bloco Irineu Perna de Pau. A antiga agremiação se destacava com seus componentes desfilando sobre pernas de pau e o seu caráter lúdico e divertido, com artistas atuando como malabaristas, dançarinos e performers.

         Já o vergueiro justificou sua iniciativa afirmando que a ideia da homenagem “é dar valor a quem valoriza o município”, frisando que, em qualquer lugar do Brasil e do mundo, a pessoa que esteja vestida com a camisa da Beija-Flor será sempre identificada como brasileiro e morador de Nilópolis.

— Embora o sentimento já esteja no coração de todo mundo, passou da hora de a gente reconhecer no papel o quanto a Beija-Flor é importante para o município — admitiu, o autor da proposta.

Funcionários da Secretaria de Cultura na encenação das conquistas da cidade e da Beija-Flor

Um dos momentos mais tocantes da cerimônia foi a encenação cênica das conquistas da cidade e da agremiação, encabeçada por artistas da Secretaria de Cultura. O público – composto por ícones da escola, como a Ala das Baianas, Velha Guarda, o mestre-sala Claudinho, a porta-bandeira Selminha Sorriso, Rainha da Bateria Lorena Raissa, os novos intérpretes Jéssica Martin e Nino, além da ex-Rainha de Bateria, Soninha Capeta e o Carnavalesco João Vitor, entre outros componentes -, foi ao delírio.

“Uma escola de vida”

A questão da inclusão, que predominou durante toda a solenidade, sensibilizou também o prefeito Abraãozinho. Ao denominar a Beija-Flor como “uma escola de resistência”, ele se disse neto de uma avó preta, razão pela qual frisou ter muito orgulho de carregar sangue negro nas veias.

— Quando vejo a Beija-Flor levando enredos afros para a avenida, pedindo dignidade e respeito, me vem à mente a ideia de que a Beija-Flor é bem mais do que apenas uma escola de samba; é uma escola de vida, é a nossa deusa soberana que tem alma africana”, foi categórico, apontando o tio Anísio, presidente de honra da agremiação, como “o grande líder e porto seguro da família”. O presidente administrativo, Almir Reis, que também seria homenageado, não pôde comparecer por conta de problemas pessoais. Ele foi representado na solenidade pela porta-bandeira Selminha Sorriso.

Ex-presidente da escola e campeão do Carnaval de 2018, com o enredo “Monstro é aquele que não sabe amar – os filhos abandonados da pátria que os pariu”, o deputado federal Ricardo Abraão, disse que a solenidade em homenagem à Beija-Flor foi “um momento único” no município. Lembrou ainda que a escola “sempre prestigiou a prata da casa, valorizando sua comunidade”.

— Ela (a Beija-Flor) é o que é hoje, essa força, essa potência, porque se desenvolveu através de uma família que ama esse município. E levar o nome de Nilópolis aos quatro cantos do mundo não tem preço — garantiu.

Os novos intérpretes da escola, Nino e Jessica Martin vão substituir Neguinha da Beija-Flor no desfile de 2026

Acolhimento e amor

Uma das porta-bandeiras mais premiadas do Carnaval carioca e presidente da escola de samba mirim “Sonho do Beija-Flor”, Selminha Sorriso classificou a agremiação homenageada como “subsistência cultural do povo preto”, além de patrimônio de sentimentos, orgulho da comunidade nilopolitana e status de acolhimento e amor, de didática, de aprendizado e de resistência das pessoas pretas. “Onde todo mundo é igual, ninguém é diferente, todo mundo está junto e misturado”, avalizou.

A solenidade na Câmara de Vereadores foi bastante prestigiada pela sociedade civil organizada

Depois de criticar o abandono dos escravos, “deixados sem recomeço e nem reparação”, com a edição da Lei Áurea, em 1888, Selminha disse que a Beija-Flor foi a primeira escola de samba do Rio de Janeiro a valorizar às pessoas de pele preta, numa referência ao protagonismo do mestre-sala e porta-bandeira, rainha da bateria, intérprete, carnavalesco e componentes da Ala das Baianas e Velha Guarda, todos considerados afrodescendentes.

— Nossos ancestrais estão em festa, agradecidos por esse momento histórico, ao transformar a escola de samba (Beija-Flor) como patrimônio cultural e imaterial — festejou.

A solenidade foi prestigiada também pelo presidente da Câmara, Jorginho Scalise; vice-prefeito Alvinho; a secretária de Educação, Flávia Sardinha; o secretário do Meio Ambiente, Dean Senra, o deputado estadual Rafael Nobre, um dos homenageados; a presidente da Velha Guarda, Débora Rosa, além dos vereadores Leandro Hungria, Armando Paiano e Rafael Regis.

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